quinta-feira, 31 de dezembro de 2009


“Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial.Industrializou a esperança,fazendo-a funcionar no limite da exaustão.Doze meses dão para qualquer ser humano se cansare entregar os pontos.Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez,com outro número e outra vontadede acreditar que daqui pra frente…tudo vai ser diferente!”

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 4 de julho de 2009

Resenha Crítica: Da sedução na relação pedagógica: professor-aluno no embate com afetos inconscientes

APRESENTAÇÃO DA OBRA DE

MORGADO, MARIA APARECIDA. Da sedução na relação pedagógica: professor-aluno no embate com afetos inconscientes. 2 ed. São Paulo: Sumus, 2002.. 2 ed. São Paulo: Sumus, 2002.

O livro é constituído em seis capítulos, e uma introdução que pontua ao longo da história, o percurso das concepções de autoridade docente e a concepção de conhecimento. A reflexão de sua obra emerge do processo de sedução calcada nas relações originais de autoridade da criança com seus pais, que são ecoadas em sala de aula na relação professor /aluno.

No capítulo inicial a autora inicia um esboço que articula o pedagógico e o psicanalítico. Delimita o problema pedagógico do autoritarismo ao fenômeno psicanalítico da sedução. O texto assume a importância das primeiras relações parentais com criança. Afirma dessa forma que essa relação é matriz das demais relações sociais. A partir das relações originais é instaurado o processo de sedução, no par sedutor-seduzido, onde a criança tem uma postura mais passiva, e nesta desigualdade surge a primeira relação de autoridade.
Considera que a relação professor-aluno advém das relações originais, onde é permeada pela sedução e autoridade. Defende que a relação original é reeditada na relação pedagogia. Apóia-se na Teoria da Sedução de Freud, onde ressalta que a mãe com seus cuidados junto ao bebê, suscitam sensações de prazer e desprazer, ocorrendo na faze pré-edipiana, e que essas sensações articulam-se nas necessidades pulsionais, e tem como resultado as fantasias. O conjunto de elementos vivenciados pela criança servirão de sustentação do clímax da sedução na próxima fase – edipiana. Paralelamente com o processo de sedução a autoridade também se constitui, pois o recém nascido depende totalmente do adulto para sobreviver. Reflete junto a Marilena Chauí (filosofa) a questão do professor mediador, que faz a mediação entre o aluno e a cultura.
Considera que a opção teórico-ideológica não é suficiente para evitar o desvio da autoridade. Defende que o “professor possível“ ora pode existir, ora desaparece e que sua permanência é fugaz, porque como seus alunos, também possui uma consciência dividida, que substitui o que realmente sabe por uma prática negadora de seu saber. Acredita que a postura do professor mediador personifica o conhecimento e seus alunos não podem se apropriar do mesmo, aprisionado na condição de discípulo. Essa postura é provável que satisfaça a necessidade sócio-afetiva do aluno. Diz que a sedução do professor e o desejo do aluno em ser seduzido relembram as primeiras seduções e a relação de autoridade. Dessa forma estabelece a relação entre a sedução original e a sedução pedagógica.

O segundo capítulo trata da Identificação, que pela psicanálise é a primeira expressão de um laço emocional com outra pessoa. É um processo psicológico em que o individuo se constitui a partir do modelo de outra pessoa. A Identificação se instala antes da relação de objeto, ou seja, antes da diferenciação do ego, portanto antes do complexo de Édipo. Nesse processo a criança toma um dos genitores, ou ambos,como objeto de amor sexual, que culmina no complexo de Édipo, que toma um dos genitores por objeto e o outro como obstáculo a posse, na impossibilidade de concretizar seu objeto a criança terá que encontrar outra saída. O movimento interno de formação do ego é o resultado da identificação originais e regressivas, assim o ego assume as características do objeto forçando o id a amá-lo, e assim compensando sua perda. A busca em harmonizar dos interesses pulsionais do id e as exigências da realidade. No interior do ego, uma outra instancia vai se definindo o superego, a partir também das identificações, é responsável pela outra observação do ego, função de consciência, julga e sanciona o ego. O superego é originário da primeira identificação e herdeiro do complexo de Édipo. A instalação do superego é fruto da identificação bem sucedida. Outras identificações que ocuparam o lugar dos pais, porem dificilmente vão promover alterações nas primeiras na forma essencial do ego. Pois as influencias que tomam lugar dos pais – professores, educadores e pessoas escolhidas como modelo ideal poderão contribuir na formação do caráter, mas apenas atingiram o ego, o superego já foi determinado pelas figuras parentais primarias.

O terceiro capítulo busca conceituar a transferência, parte do processo de identificação com o processo de transferência. A relação original determina o modo como o sujeito inicia suas novas relações, ou seja, a relação original se configura a cada nova relação. A relação com a autoridade também ocorre à reimpressão, fazendo com que a criança deposite sua ternura, sexualidade, agressividade, respeito e submissão. O cenário da transferência é composto também pela pulsão que é limítrofe entre o psíquico e o somático, a fonte vem da necessidade corporal, provocando tensão, emite sinais ao psiquismo formando uma representação. As pulsões sexuais se organizam no final de uma evolução complexa, com inicio no genital e seu pico é na puberdade. A pulsão é a busca da satisfação que migra para as zonas erógenas. As demandas pulsionais não concretizada são as carências afetivas, portanto na tentativa de resgatar a satisfação através da reimpressão do protótipo na relação atual, atualizando assim o protótipo da relação original, portanto transfere para a nova relação os sentimentos e expectativas depositadas na relação passada. O investimento afetivo da relação original é transferido para a relação atual. A transferência pode ser positiva, afetos e sentimentos eróticos, e também, negativos com sentimentos hostis, essa ambivalência de sentimentos se dão ao mesmo tempo para a mesma pessoa. A ambivalência depende de pessoa para pessoa conforme a constituição da personalidade psíquica. As manifestações de transferência em psicanálise permitiram reconhecer o desempenho do papel médico-doente, professor-aluno. Diz que todo laço social supõe a transferência, amor e identificação. Introduz a transferência nas relações de autoridade onde remonta a relação original, pela completa indefensabilidade da criança, dependendo exclusivamente do adulto para sobreviver, elegendo como figura de autoridade. A relação pedagógica também se estabelece num contexto similar ao da relação original. A sociedade e a instituição educacional aprovam a autoridade ao professor para ensinar e aos pais a autoridade de educar seus filhos. Ao vislumbrar no professor aquele que pode prover de conhecimento. O aluno elege como autoridade, estabelecendo assim a transferência nas relações pedagógicas. Pode haver também a reedição dos sentimentos hostis que impedem de reconhecer a autoridade do professor para ensinar. A curiosidade intelectual é fruto da sublimação das demandas pulsionais eróticas e destrutivas, é um dos elementos que constitui a personalidade psíquica do aluno. A curiosidade infantil não se expressa de forma direta, usa o recurso dos questionamentos e perguntas, buscando dessa forma desvendar o enigma de sua origem. Não faz de forma direta porque no ápice do conflito edipiano, ao se defrontar com sentimentos eróticos e hostil que dispensa aos pais, precisam ser recalcados para atender as exigências do superego e também da realidade. As pulsões do id clamam satisfação, em função do recalque, vem à consciência de maneira disfarçada. Nesse momento se define no mundo pelos caminhos e descaminhos do complexo de Édipo, determinando seus desejos de querer ou não saber. Portanto o desejo de saber vem da sublimação das demandas pulsionais eróticas e destrutivas. Entretanto são na sala de aula que as possibilidades de aprendizagem e conhecimentos determinadas pela configuração que sua vida pulsional adquiriu no conflito edipiano. Se o recalque foi brando pode querer saber de si e da sexualidade, porém se foi intenso pode haver resistência e a investigação é o mesmo que o não querer saber de si próprio e da sexualidade. Indaga ao final do capitulo como o professor poderia evitar a interferência dessas forças, já que na classe há muitos aluno e logo muitas historias psicossociais. Evidenciou que a relação pedagógica reedita o protótipo da relação original. Propõe a demonstrar que a relação pedagógica pode se valer da relação analítica sem reproduzir-la.

O quarto capítulo é dedicado a analisar a contratransferência de quem exerce a autoridade. Todos os serem humanos passam pelo mesmo processo de constituição pulsional no decorrer da identificação, desenvolvem um ego e um superego a partir do id. Assim quem ocupa o pólo da autoridade também passou pelo processo. Nesse movimento no qual também sofreu o recalque, pois sua estrutura também é ambivalente. Seu inconsciente ecoa os protótipos e conflitos a essas reações são chamados de contratransferência. Se a transferência do paciente é a reedição inconsciente de relação, a contratransferência é a resposta inconsciente do analista, isto é, o que produziu em sua psique. O analista não deve se defender da transferência do paciente, deve aceitar e dar a devida importância aos sentimentos, porem deve controlá-la. Exemplifica a paciente que se apaixona pelo medico, na verdade não é pela pessoa do médico e sim a reedição de sua relação original. A ação do médico deve ser de modo contrario para que a paciente ressignifique seus conflitos e não reitere. Se o médico agir contratransferencialmente as demandas da paciente pode ocorrer o fracasso da analise, pois a paciente se sentira irada, procurará obstruir o tratamento depositando toda a hostilidade nessa relação. Essa cortina de fumaça serve para oculta os conflitos. A resistência se coloca a serviço do recalque, impedindo assim elucidar os conflitos. Nas relações sociais a autoridade também se faz presente, mesmo que não formalmente definida, sempre haverá um dos pólos que assume o lugar de quem tem mais a dizer, isso não significa que a autoridade não possa transitar de um pólo a outro. Nas relações formais de autoridade, isto é, nas instituições essa relação ainda é mais evidenciada, favorecendo o campo das transferências. Apresar de a autoridade ser outorgada a um dos pólos, não necessariamente assegura seu estabelecimento. Um outro ponto levantado é a questão da dissimulação na relação formal muito mais que nas relações informais. Ou seja, a definição prévia da autoridade antecipa na relação estabelecida, assim o campo transferencial pode não ser percebido, pois é, como se já estivesse ali presente, é isso que ocorre na relação pedagógica.

O quinto capítulo trata a articulação entre a pedagogia e a psicanálise. Reflete a postura do aluno frente ao professor, que muitas vezes se interessa mais pela pessoa do professor do que pela disciplina que abordada, ou ainda do incomodo e inquietação causada com aquele aluno que se mostra indiferente aos esforços do professor em ensiná-lo. Segundo a autora em todos os níveis da educação esses conflitos são anunciados, mesmo na pós-graduação, onde os alunos adultos podem proceder de modo similar às crianças. Compreende que essa situação de deve a transferência de afetos da relação original para a relação com o professor, que por operar inconscientemente a transferência independe da idade. No inicio da vida o aluno experimentou sentimentos ternos, de intenso amor e intenso sentimento hostil em relação a seus pais. Portanto, as fixações libidinais que o aluno traz para a sala remetem necessariamente as pulsões sexuais e hostis recalcadas durante a vida infantil. A relação pedagógica é a reedição da relação original, por sua vez, a relação pedagógica instaura-se a partir da herança emocional, com esse modelo, se tem os elementos psicológicos para se identificar com o professor. Por outro lado essa mesma base psicológica pode dificultar a concretização dos objetos propostos, ao reviver a relação passada, o aluno não vê o professor real. Quando o aluno vive transferencialmente o amor e o ódio originais na relação pedagógica, também revive todo o fascínio e todo temor à autoridade parental. Revive o momento que foi seduzido e assimila as restrições do superego. Aprisionado pela repetição, o aluno se afasta do conhecimento ou deixa em segundo plano, privilegia sua paixão pelo professor. O superego fica debilitado frente ao professor sob a influencia parental renova a sedução. Portanto para que o conhecimento ocupe seu lugar de direito na relação pedagógica é necessário que a transferência afetiva dê lugar sentimentos ternos e de curiosidade, dessa forma o aluno desenvolverá os elementos psicológicos necessários a sua emancipação intelectual. Ressalta a necessidade de investimento na formação do professor para que se dê conta dos processos inconsciente, seja da transferência ou contratransferência. A contratransferência fundamenta-se nas fixações em etapas psicossexuais infantis. Também se identificou com seus genitores, transformando-os no seu primeiro modelo de ser. Passando pelo conflito edipiano que obrigou a retornará primeira identificação. Seu superego também introjetou a autoridade parental sucumbindo à sedução. A curiosidade sexual também recalcada, da sublimação restou à curiosidade. Portanto pode reviver a relação original nas relações atuais por meio dos mesmos mecanismos que seu aluno: resistência e compulsão a repetição. Para cumprir a função de professor mediador entre o aluno e o conhecimento, o professor não deve corresponder aos intensos sentimentos transferenciais. Sua contratransferência apenas reforçaria a transferência do aluno, instalando um circulo vicioso em que a relação pedagógica serviria para reviver mutuamente as fixações libidinais. Assim para o saber seja o centro da relação, o amor e o ódio devem ser substituídos pelo desejo de ensinar e pelo desejo de aprender. O professor efetiva sua autoridade pedagógica quando rompe a dominação que a autoridade original exerce sobre ele e sobre o aluno, a forma encontrada para fazê-lo é não atender a sedução de ocupar contratransferencialmente seu lugar. Substituir a influencia parental no superego do aluno, pela sua própria influencia, sua própria identificação com a autoridade de seus pais. O professor que sabe pode ensinar, mesmo que não tenha conhecimento do campo transferencial. O que não é desejável que ocorra e o desconhecimento desse campo, pois debilita sua ação pedagógica, numa pratica contraditória em que ora ensina e ora reage inconscientemente a transferência do aluno. O contexto pedagógico impõe limitações à superação do autoritarismo exercido pela sedução.

O sexto capítulo é reservado ao relato de três situações que a autora experenciou na prática pedagógica de seus colegas professores. Fala de um professor Alfa Beto que ensina em uma universidade, pois desde os tempos da graduação sonhava fazê-lo. Enquanto se preparava dividia seu tempo ente o estudo e a participação no movimento estudantil, lutava pela autonomia estudantil, por melhores condições na qualidade do ensino, por mais verbas e pela democratização do acesso à universidade. Atualmente é professor e pesquisador e seu empenho por melhores condições continua. Acreditava que esse empenho democrático seriam requisitos necessários para a vida profissional. Estuda muito para ministrar seus cursos e esta sempre atento as atualizações. Na situação I, o professor Alfa Beto costuma falar muito, expõe de forma coerente e articulada, poucas vezes os alunos fazem perguntas ou criticas. Quando surge algo divergente, ele discute exaustivamente até que seja resolvida. Quando ocorre critica sobre os métodos, ele discute democraticamente até que o aluno se convença. A impressão que o professor tem é que seus alunos entenderam bem, por isso fazem poucas perguntas, essa impressão também é dos alunos pois são atenciosos durante a aula e pelos comentários elogiosos que fazem, e até pelas avaliações. Nessa situação o professor formou seu ego à imagem do superego de seus pais, por amor a eles e pelo amor deles. Em vista disso, altera sua imagem superegóica ideal equivaleria a trair os pais, assim ele antecipa à transferência dos alunos procurando seduzi-los a identificarem com ele, do mesmo modo pelo que foi seduzido a identificar-se com seus pais. Na situação II, Alfa Beto não se sai bem com sua nova turma, pois os alunos o tratavam com hostilidade, pareciam indiferentes à sua presença, alunos displicentes, que perturbavam a aula com freqüência. O professor não perdia as esperanças, preparava suas aulas com o cuidado de sempre. Certo dia preparou uma aula excelente acreditando que daquela vez, conseguiria atrair o interesse intelectual dos alunos. Investiu-se de toda paciência pedagógica e entrou disposto a ensinar, porem no final da aula, estava frustrado e irritado. Dizia que tentar ensina-los é o mesmo que atirar perolas aos porcos, disse que iria dificultara a prova. Deparou-se então com a transferência hostil. O professor transformou-se em alvo de ódio que outrora era dirigido aos pais. Na situação III. Em uma das turmas havia uma aluna que chamava a atenção, sempre assídua, participativa. Algo naquela aluna o desconcertava, ela sempre iniciava introduzindo uma discussão pertinente, sempre elogiava seu trabalho, parecia admirá-lo. Esse fatores faziam com que suspeitasse que o interesse da aluna ia além do interesse intelectual. Independente do desfeche da historia, o impasse estava colocado. Essa situação pedagógica reafirma a assimetria entre o professor e a aluna, a relação pedagógica caminhava para sua própria negação, instaurando uma relação sensual em seu lugar. Adverte a autores que nem sempre os afetos que os alunos nos destinam - amorosos, ou hostis – devem-se exclusivamente a nós, podem ser afetos transferências; nem sempre os afetos que partilhamos com alunos se devem à relação concreta, podem ser afetos contratransferencias.


3 CONCLUSÃO DA RESENHISTA

A obra fornece subsídios a pesquisa, à medida que trata de conceitos pertinentes a prática Psicopedagógica e Pedagógicas. Dialoga com autores que protagonizaram a construção da teoria psicanalítica . Pontua e esclarece o percurso da pratica pedagógica em nosso país, reporta-se a historia como ferramenta que permeia a relação psicossocial.
Com sólidos conhecimentos acerca dos conceitos psicanalíticos e, também de sua vivencia como professora. A autora empenha-se em apresentar o texto clara e detalhadamente às circunstâncias e características das relações pedagógicas e das relações originais.
É uma leitura que exige conhecimentos prévios para ser entendida, além de diversas releituras e pesquisas quanto a conceitos, autores e contextos apresentados, uma vez que as conclusões emergem a partir de esclarecimentos.
Com estilo objetivo, a autora dá esclarecimentos sobre os conceitos de identificação, transferência, contratransferencia, sedução, autoridade, entre outros conceitos que permeiam a relação pedagógica. Agregando esses conceitos impulsiona a reflexão critica e a discussão teórico-ideológica de Chauí. Com isso auxiliam a elaboração de nossos conceitos internos.
Os exemplos citados nos auxiliam na compreensão da concepção do aparelho psíquico. Possibilita-nos analisar e confrontar várias posições, que se instala a transferência e a contratransferencia, a autoridade e sua negação dissimulada. Mostra-nos a imensa possibilidade de posturas e a que nos seria mais adequada, já que o saber deve estar no o centro da relação, o amor e o ódio devem ser substituídos pelo desejo de ensinar e pelo desejo de aprender.
Finalmente, com o estudo dessa obra, podemos amadurecer os conceitos e inclusive olhar de forma mais teórica e não pessoal, já que as relações são mediadas pelas relações originais.

sábado, 20 de junho de 2009

Não há uma adolescência, e sim várias

Calil no faz refletir acerca dos questionamentos que fazemos ao longo da vida em busca de respostas, a grande pergunta que nos convoca a repensar é: Quem sou eu? Esta indagação é ainda mais contundente quando somos adolescentes> Durante o percurso vivenciado nesse momento, e também ao longo da vida, a sociedade e os fatos nos conduzem a respostas, porém em seguida nos vemos diante de mais questionamentos.

Conforme nos diz Calil citando Becker “não há uma adolescência e sim, varias”. Acredito ainda que esse adolescer se dá em várias fases da vida, senão o que dizer sobre a crise dos 40.Assim como existem várias sociedades, existem também várias formas de vivenciarmos esse período de crescimento.

A gradual passagem da infância para a vida adulta de forma menos pontual, isto é, quando é concomitante com as funções e os direitos o período da adolescente não é percebido é um direito recebido. A transição é gradual, as conquistas se somam, a potencia humana se funde a vivência. Diferente do que ocorre em nossa sociedade, pois, é elaborada de forma concentual, incidem nas transformações biológicas gritam no corpo físico estruturado e o potencial psicossocial ainda não atingiu o patamar correspondente. Segundo Calil:

”As transformações pessoais ocorrem para o mundo exterior, em busca de uma abertura, de uma conquista, de uma descoberta, ora para seu mundo interior, fechando-se num olhar para dentro de si, relacionando-se consigo mesmo, com sua própria metamorfose” (CALIL, p.1974, 2)


Entendo que possivelmente esta busca por abertura e necessidade de conquista esta ligada a falta de autoria durante a infância, pois o mundo vivido neste período foi pouco enriquecedor do ponto de vista das descobertas e participações, portanto a necessidade premente de vivenciar estas conquistas.

Pela necessidade de vivenciar as descobertas concomitantemente com a questão do egocentrismo ou a chamada fábula pessoal - pode contribuir para que o jovem busque os perigos e os desafios assim como as dependências e os vícios. Fantasiar a onipotência leva os jovens a buscarem os esportes radicas e expor-se a riscos desnecessários simplesmente pelo fato de negar a possibilidade de morte. Calil refere-se à questão dizendo.


“Vários acidentes cometidos por adolescentes com bicicletas, motocicletas, patinetes ou decorrentes de esportes radicais e outros também se explica pela fantasia originada desse sentimento de onipotência, de que os problemas só ocorrem com os outros e não com ele, e que todas as suas proezas serão motivo de atenção das pessoas que o cercam” (CALIL,p. 178, 2002)

A hospitalização nessa fase é bastante comum, pois apresentam traumas e lesões provocadas por tais esportes. Considerando também nesse período doenças sexualmente transmissíveis, abortos e gravidez indesejada.

É aconselhável o atendimento psicológico para o adolescente e para seus pais, esse espaço é necessário para a família colocar seus medos, perdas e também a questões referentes a morte. Nesse processo o chamado “dar-se conta” do que esta acontecendo aumenta a percepção de si mesmo, aprendendo a lidar com situações de crise e principalmente fortalecendo.



Citações do livro
CALIL, Terezinha, Novos rumos da Psicologia da Saúde - São Paulo: Pioneira, 2002

Filme Oleanna de David Mamet

O filme em questão realmente nos leva a inquietação, nos provoca a entender a dramática que enreda a vida humana, especificamente as relações, sejam elas hierárquicas ou lineares. A questão inicial do impasse retratado no filme é a impossibilidade da aluna em entender sua não aprovação, o professor por sua vez argumenta com o brilhantismo intelectual que lhe é peculiar, porém sua explanação mais uma vez não é entendida pela aluna, e assim se desenrola a trama.

Por mais que tentemos buscar um herói e um vilão, sabemos que o pano de fundo que permeia as relações não nos permite construir heróis ou vilões, e sim buscarmos entendimento diante da historia de vida de cada, da construção do aparelho psíquico constituído.
Senão vejamos.

Exatamente nesse momento de desprazer da aluna, na situação de desaprovação na disciplina em questão, e é justamente nesse momento que se constrói o aparelho psíquico e que se instala o principio da realidade, em contra partida ao principio do prazer, no caso o desejo da aprovação é exaltado e sucumbe à possibilidade de avanço emocional da aluna. O aprendiz na busca do prazer imediato não simbolizou o impasse, não possibilitou a espera e camuflou sua frustração resultando na acusação de estupro. Talvez na ótica da moça tenha ocorrido o tal estupro, não o sexual, mas sim o emocional, já que se sentiu violada em seu desejo de aprovação e aceitação de sua condição pouco privilegiada (segundo ela) diante do universo universitário.

Entretanto a relação estabelecida entre aluno/professor foi permeada pela figura irrefutável do detentor do saber, o docente, e não com a relação ao conhecimento, ao estabelecer este foco, parece-me que, o que acionou essa relação conturbada foi à função da repetição e modo de relação com figuras parentais ou sua relação com a sociedade.

Ao nos debruçarmos na tentativa de entender a organização psíquica da aluna em questão, podemos afirmar que a transferência se instalou nessa relação, acredito que toda a carga emocional acerca dos impasses ocorridos em sua vida, sejam eles de ordem social, econômica, problemas com a hierarquia e a própria questão da frustração se fundem na dramática vivida por ela.

Em contrapartida o professor, um intelectual nato brilhava em suas contestações, muitas vezes rebuscado com sinônimos pouco significativos a aluna. O professor com toda sua bagagem intelectual, não conseguia se fazer entender junto ao universo perturbado da aluna. O professor ainda ignora a incapacidade de entendimento da aluna, pois não percebe a barreira na comunicação e nem tão pouco as questões emocionais que permeiam a relação.

Em alguns momentos durante o dialogo entre professor/aluno poderia ter havido uma quebra do círculo nada virtuoso estabelecido entre as partes, haja vista tamanha proporção em que se tornou o caso. A falência da comunicação estabelecida nos conduz a observar que cada uma das partes estava ‘olhando’ única e exclusivamente em sua perspectiva, não estabelecendo a ponte necessária para que ambos fossem entendidos em suas fragilidades.

A Psicopedagogia prima em estabelecer vínculo junto ao aluno/cliente, possivelmente se o professor tivesse feito as proporções não teriam sido catastróficas. Acredito que o professor seja literalmente uma ponte que possibilita ao aluno ir de um pólo a outro mais elevado. Quando esta transição ocorre, seja relativo a questões de ordem cognitiva ou no vasto campo das emoções o professor cumpriu seu papel e o aluno se aprumou nas inquietudes do saber.