sábado, 4 de julho de 2009

Resenha Crítica: Da sedução na relação pedagógica: professor-aluno no embate com afetos inconscientes

APRESENTAÇÃO DA OBRA DE

MORGADO, MARIA APARECIDA. Da sedução na relação pedagógica: professor-aluno no embate com afetos inconscientes. 2 ed. São Paulo: Sumus, 2002.. 2 ed. São Paulo: Sumus, 2002.

O livro é constituído em seis capítulos, e uma introdução que pontua ao longo da história, o percurso das concepções de autoridade docente e a concepção de conhecimento. A reflexão de sua obra emerge do processo de sedução calcada nas relações originais de autoridade da criança com seus pais, que são ecoadas em sala de aula na relação professor /aluno.

No capítulo inicial a autora inicia um esboço que articula o pedagógico e o psicanalítico. Delimita o problema pedagógico do autoritarismo ao fenômeno psicanalítico da sedução. O texto assume a importância das primeiras relações parentais com criança. Afirma dessa forma que essa relação é matriz das demais relações sociais. A partir das relações originais é instaurado o processo de sedução, no par sedutor-seduzido, onde a criança tem uma postura mais passiva, e nesta desigualdade surge a primeira relação de autoridade.
Considera que a relação professor-aluno advém das relações originais, onde é permeada pela sedução e autoridade. Defende que a relação original é reeditada na relação pedagogia. Apóia-se na Teoria da Sedução de Freud, onde ressalta que a mãe com seus cuidados junto ao bebê, suscitam sensações de prazer e desprazer, ocorrendo na faze pré-edipiana, e que essas sensações articulam-se nas necessidades pulsionais, e tem como resultado as fantasias. O conjunto de elementos vivenciados pela criança servirão de sustentação do clímax da sedução na próxima fase – edipiana. Paralelamente com o processo de sedução a autoridade também se constitui, pois o recém nascido depende totalmente do adulto para sobreviver. Reflete junto a Marilena Chauí (filosofa) a questão do professor mediador, que faz a mediação entre o aluno e a cultura.
Considera que a opção teórico-ideológica não é suficiente para evitar o desvio da autoridade. Defende que o “professor possível“ ora pode existir, ora desaparece e que sua permanência é fugaz, porque como seus alunos, também possui uma consciência dividida, que substitui o que realmente sabe por uma prática negadora de seu saber. Acredita que a postura do professor mediador personifica o conhecimento e seus alunos não podem se apropriar do mesmo, aprisionado na condição de discípulo. Essa postura é provável que satisfaça a necessidade sócio-afetiva do aluno. Diz que a sedução do professor e o desejo do aluno em ser seduzido relembram as primeiras seduções e a relação de autoridade. Dessa forma estabelece a relação entre a sedução original e a sedução pedagógica.

O segundo capítulo trata da Identificação, que pela psicanálise é a primeira expressão de um laço emocional com outra pessoa. É um processo psicológico em que o individuo se constitui a partir do modelo de outra pessoa. A Identificação se instala antes da relação de objeto, ou seja, antes da diferenciação do ego, portanto antes do complexo de Édipo. Nesse processo a criança toma um dos genitores, ou ambos,como objeto de amor sexual, que culmina no complexo de Édipo, que toma um dos genitores por objeto e o outro como obstáculo a posse, na impossibilidade de concretizar seu objeto a criança terá que encontrar outra saída. O movimento interno de formação do ego é o resultado da identificação originais e regressivas, assim o ego assume as características do objeto forçando o id a amá-lo, e assim compensando sua perda. A busca em harmonizar dos interesses pulsionais do id e as exigências da realidade. No interior do ego, uma outra instancia vai se definindo o superego, a partir também das identificações, é responsável pela outra observação do ego, função de consciência, julga e sanciona o ego. O superego é originário da primeira identificação e herdeiro do complexo de Édipo. A instalação do superego é fruto da identificação bem sucedida. Outras identificações que ocuparam o lugar dos pais, porem dificilmente vão promover alterações nas primeiras na forma essencial do ego. Pois as influencias que tomam lugar dos pais – professores, educadores e pessoas escolhidas como modelo ideal poderão contribuir na formação do caráter, mas apenas atingiram o ego, o superego já foi determinado pelas figuras parentais primarias.

O terceiro capítulo busca conceituar a transferência, parte do processo de identificação com o processo de transferência. A relação original determina o modo como o sujeito inicia suas novas relações, ou seja, a relação original se configura a cada nova relação. A relação com a autoridade também ocorre à reimpressão, fazendo com que a criança deposite sua ternura, sexualidade, agressividade, respeito e submissão. O cenário da transferência é composto também pela pulsão que é limítrofe entre o psíquico e o somático, a fonte vem da necessidade corporal, provocando tensão, emite sinais ao psiquismo formando uma representação. As pulsões sexuais se organizam no final de uma evolução complexa, com inicio no genital e seu pico é na puberdade. A pulsão é a busca da satisfação que migra para as zonas erógenas. As demandas pulsionais não concretizada são as carências afetivas, portanto na tentativa de resgatar a satisfação através da reimpressão do protótipo na relação atual, atualizando assim o protótipo da relação original, portanto transfere para a nova relação os sentimentos e expectativas depositadas na relação passada. O investimento afetivo da relação original é transferido para a relação atual. A transferência pode ser positiva, afetos e sentimentos eróticos, e também, negativos com sentimentos hostis, essa ambivalência de sentimentos se dão ao mesmo tempo para a mesma pessoa. A ambivalência depende de pessoa para pessoa conforme a constituição da personalidade psíquica. As manifestações de transferência em psicanálise permitiram reconhecer o desempenho do papel médico-doente, professor-aluno. Diz que todo laço social supõe a transferência, amor e identificação. Introduz a transferência nas relações de autoridade onde remonta a relação original, pela completa indefensabilidade da criança, dependendo exclusivamente do adulto para sobreviver, elegendo como figura de autoridade. A relação pedagógica também se estabelece num contexto similar ao da relação original. A sociedade e a instituição educacional aprovam a autoridade ao professor para ensinar e aos pais a autoridade de educar seus filhos. Ao vislumbrar no professor aquele que pode prover de conhecimento. O aluno elege como autoridade, estabelecendo assim a transferência nas relações pedagógicas. Pode haver também a reedição dos sentimentos hostis que impedem de reconhecer a autoridade do professor para ensinar. A curiosidade intelectual é fruto da sublimação das demandas pulsionais eróticas e destrutivas, é um dos elementos que constitui a personalidade psíquica do aluno. A curiosidade infantil não se expressa de forma direta, usa o recurso dos questionamentos e perguntas, buscando dessa forma desvendar o enigma de sua origem. Não faz de forma direta porque no ápice do conflito edipiano, ao se defrontar com sentimentos eróticos e hostil que dispensa aos pais, precisam ser recalcados para atender as exigências do superego e também da realidade. As pulsões do id clamam satisfação, em função do recalque, vem à consciência de maneira disfarçada. Nesse momento se define no mundo pelos caminhos e descaminhos do complexo de Édipo, determinando seus desejos de querer ou não saber. Portanto o desejo de saber vem da sublimação das demandas pulsionais eróticas e destrutivas. Entretanto são na sala de aula que as possibilidades de aprendizagem e conhecimentos determinadas pela configuração que sua vida pulsional adquiriu no conflito edipiano. Se o recalque foi brando pode querer saber de si e da sexualidade, porém se foi intenso pode haver resistência e a investigação é o mesmo que o não querer saber de si próprio e da sexualidade. Indaga ao final do capitulo como o professor poderia evitar a interferência dessas forças, já que na classe há muitos aluno e logo muitas historias psicossociais. Evidenciou que a relação pedagógica reedita o protótipo da relação original. Propõe a demonstrar que a relação pedagógica pode se valer da relação analítica sem reproduzir-la.

O quarto capítulo é dedicado a analisar a contratransferência de quem exerce a autoridade. Todos os serem humanos passam pelo mesmo processo de constituição pulsional no decorrer da identificação, desenvolvem um ego e um superego a partir do id. Assim quem ocupa o pólo da autoridade também passou pelo processo. Nesse movimento no qual também sofreu o recalque, pois sua estrutura também é ambivalente. Seu inconsciente ecoa os protótipos e conflitos a essas reações são chamados de contratransferência. Se a transferência do paciente é a reedição inconsciente de relação, a contratransferência é a resposta inconsciente do analista, isto é, o que produziu em sua psique. O analista não deve se defender da transferência do paciente, deve aceitar e dar a devida importância aos sentimentos, porem deve controlá-la. Exemplifica a paciente que se apaixona pelo medico, na verdade não é pela pessoa do médico e sim a reedição de sua relação original. A ação do médico deve ser de modo contrario para que a paciente ressignifique seus conflitos e não reitere. Se o médico agir contratransferencialmente as demandas da paciente pode ocorrer o fracasso da analise, pois a paciente se sentira irada, procurará obstruir o tratamento depositando toda a hostilidade nessa relação. Essa cortina de fumaça serve para oculta os conflitos. A resistência se coloca a serviço do recalque, impedindo assim elucidar os conflitos. Nas relações sociais a autoridade também se faz presente, mesmo que não formalmente definida, sempre haverá um dos pólos que assume o lugar de quem tem mais a dizer, isso não significa que a autoridade não possa transitar de um pólo a outro. Nas relações formais de autoridade, isto é, nas instituições essa relação ainda é mais evidenciada, favorecendo o campo das transferências. Apresar de a autoridade ser outorgada a um dos pólos, não necessariamente assegura seu estabelecimento. Um outro ponto levantado é a questão da dissimulação na relação formal muito mais que nas relações informais. Ou seja, a definição prévia da autoridade antecipa na relação estabelecida, assim o campo transferencial pode não ser percebido, pois é, como se já estivesse ali presente, é isso que ocorre na relação pedagógica.

O quinto capítulo trata a articulação entre a pedagogia e a psicanálise. Reflete a postura do aluno frente ao professor, que muitas vezes se interessa mais pela pessoa do professor do que pela disciplina que abordada, ou ainda do incomodo e inquietação causada com aquele aluno que se mostra indiferente aos esforços do professor em ensiná-lo. Segundo a autora em todos os níveis da educação esses conflitos são anunciados, mesmo na pós-graduação, onde os alunos adultos podem proceder de modo similar às crianças. Compreende que essa situação de deve a transferência de afetos da relação original para a relação com o professor, que por operar inconscientemente a transferência independe da idade. No inicio da vida o aluno experimentou sentimentos ternos, de intenso amor e intenso sentimento hostil em relação a seus pais. Portanto, as fixações libidinais que o aluno traz para a sala remetem necessariamente as pulsões sexuais e hostis recalcadas durante a vida infantil. A relação pedagógica é a reedição da relação original, por sua vez, a relação pedagógica instaura-se a partir da herança emocional, com esse modelo, se tem os elementos psicológicos para se identificar com o professor. Por outro lado essa mesma base psicológica pode dificultar a concretização dos objetos propostos, ao reviver a relação passada, o aluno não vê o professor real. Quando o aluno vive transferencialmente o amor e o ódio originais na relação pedagógica, também revive todo o fascínio e todo temor à autoridade parental. Revive o momento que foi seduzido e assimila as restrições do superego. Aprisionado pela repetição, o aluno se afasta do conhecimento ou deixa em segundo plano, privilegia sua paixão pelo professor. O superego fica debilitado frente ao professor sob a influencia parental renova a sedução. Portanto para que o conhecimento ocupe seu lugar de direito na relação pedagógica é necessário que a transferência afetiva dê lugar sentimentos ternos e de curiosidade, dessa forma o aluno desenvolverá os elementos psicológicos necessários a sua emancipação intelectual. Ressalta a necessidade de investimento na formação do professor para que se dê conta dos processos inconsciente, seja da transferência ou contratransferência. A contratransferência fundamenta-se nas fixações em etapas psicossexuais infantis. Também se identificou com seus genitores, transformando-os no seu primeiro modelo de ser. Passando pelo conflito edipiano que obrigou a retornará primeira identificação. Seu superego também introjetou a autoridade parental sucumbindo à sedução. A curiosidade sexual também recalcada, da sublimação restou à curiosidade. Portanto pode reviver a relação original nas relações atuais por meio dos mesmos mecanismos que seu aluno: resistência e compulsão a repetição. Para cumprir a função de professor mediador entre o aluno e o conhecimento, o professor não deve corresponder aos intensos sentimentos transferenciais. Sua contratransferência apenas reforçaria a transferência do aluno, instalando um circulo vicioso em que a relação pedagógica serviria para reviver mutuamente as fixações libidinais. Assim para o saber seja o centro da relação, o amor e o ódio devem ser substituídos pelo desejo de ensinar e pelo desejo de aprender. O professor efetiva sua autoridade pedagógica quando rompe a dominação que a autoridade original exerce sobre ele e sobre o aluno, a forma encontrada para fazê-lo é não atender a sedução de ocupar contratransferencialmente seu lugar. Substituir a influencia parental no superego do aluno, pela sua própria influencia, sua própria identificação com a autoridade de seus pais. O professor que sabe pode ensinar, mesmo que não tenha conhecimento do campo transferencial. O que não é desejável que ocorra e o desconhecimento desse campo, pois debilita sua ação pedagógica, numa pratica contraditória em que ora ensina e ora reage inconscientemente a transferência do aluno. O contexto pedagógico impõe limitações à superação do autoritarismo exercido pela sedução.

O sexto capítulo é reservado ao relato de três situações que a autora experenciou na prática pedagógica de seus colegas professores. Fala de um professor Alfa Beto que ensina em uma universidade, pois desde os tempos da graduação sonhava fazê-lo. Enquanto se preparava dividia seu tempo ente o estudo e a participação no movimento estudantil, lutava pela autonomia estudantil, por melhores condições na qualidade do ensino, por mais verbas e pela democratização do acesso à universidade. Atualmente é professor e pesquisador e seu empenho por melhores condições continua. Acreditava que esse empenho democrático seriam requisitos necessários para a vida profissional. Estuda muito para ministrar seus cursos e esta sempre atento as atualizações. Na situação I, o professor Alfa Beto costuma falar muito, expõe de forma coerente e articulada, poucas vezes os alunos fazem perguntas ou criticas. Quando surge algo divergente, ele discute exaustivamente até que seja resolvida. Quando ocorre critica sobre os métodos, ele discute democraticamente até que o aluno se convença. A impressão que o professor tem é que seus alunos entenderam bem, por isso fazem poucas perguntas, essa impressão também é dos alunos pois são atenciosos durante a aula e pelos comentários elogiosos que fazem, e até pelas avaliações. Nessa situação o professor formou seu ego à imagem do superego de seus pais, por amor a eles e pelo amor deles. Em vista disso, altera sua imagem superegóica ideal equivaleria a trair os pais, assim ele antecipa à transferência dos alunos procurando seduzi-los a identificarem com ele, do mesmo modo pelo que foi seduzido a identificar-se com seus pais. Na situação II, Alfa Beto não se sai bem com sua nova turma, pois os alunos o tratavam com hostilidade, pareciam indiferentes à sua presença, alunos displicentes, que perturbavam a aula com freqüência. O professor não perdia as esperanças, preparava suas aulas com o cuidado de sempre. Certo dia preparou uma aula excelente acreditando que daquela vez, conseguiria atrair o interesse intelectual dos alunos. Investiu-se de toda paciência pedagógica e entrou disposto a ensinar, porem no final da aula, estava frustrado e irritado. Dizia que tentar ensina-los é o mesmo que atirar perolas aos porcos, disse que iria dificultara a prova. Deparou-se então com a transferência hostil. O professor transformou-se em alvo de ódio que outrora era dirigido aos pais. Na situação III. Em uma das turmas havia uma aluna que chamava a atenção, sempre assídua, participativa. Algo naquela aluna o desconcertava, ela sempre iniciava introduzindo uma discussão pertinente, sempre elogiava seu trabalho, parecia admirá-lo. Esse fatores faziam com que suspeitasse que o interesse da aluna ia além do interesse intelectual. Independente do desfeche da historia, o impasse estava colocado. Essa situação pedagógica reafirma a assimetria entre o professor e a aluna, a relação pedagógica caminhava para sua própria negação, instaurando uma relação sensual em seu lugar. Adverte a autores que nem sempre os afetos que os alunos nos destinam - amorosos, ou hostis – devem-se exclusivamente a nós, podem ser afetos transferências; nem sempre os afetos que partilhamos com alunos se devem à relação concreta, podem ser afetos contratransferencias.


3 CONCLUSÃO DA RESENHISTA

A obra fornece subsídios a pesquisa, à medida que trata de conceitos pertinentes a prática Psicopedagógica e Pedagógicas. Dialoga com autores que protagonizaram a construção da teoria psicanalítica . Pontua e esclarece o percurso da pratica pedagógica em nosso país, reporta-se a historia como ferramenta que permeia a relação psicossocial.
Com sólidos conhecimentos acerca dos conceitos psicanalíticos e, também de sua vivencia como professora. A autora empenha-se em apresentar o texto clara e detalhadamente às circunstâncias e características das relações pedagógicas e das relações originais.
É uma leitura que exige conhecimentos prévios para ser entendida, além de diversas releituras e pesquisas quanto a conceitos, autores e contextos apresentados, uma vez que as conclusões emergem a partir de esclarecimentos.
Com estilo objetivo, a autora dá esclarecimentos sobre os conceitos de identificação, transferência, contratransferencia, sedução, autoridade, entre outros conceitos que permeiam a relação pedagógica. Agregando esses conceitos impulsiona a reflexão critica e a discussão teórico-ideológica de Chauí. Com isso auxiliam a elaboração de nossos conceitos internos.
Os exemplos citados nos auxiliam na compreensão da concepção do aparelho psíquico. Possibilita-nos analisar e confrontar várias posições, que se instala a transferência e a contratransferencia, a autoridade e sua negação dissimulada. Mostra-nos a imensa possibilidade de posturas e a que nos seria mais adequada, já que o saber deve estar no o centro da relação, o amor e o ódio devem ser substituídos pelo desejo de ensinar e pelo desejo de aprender.
Finalmente, com o estudo dessa obra, podemos amadurecer os conceitos e inclusive olhar de forma mais teórica e não pessoal, já que as relações são mediadas pelas relações originais.